Histórias de vida

Pelotas - RS

“É o inesperado, é a surpresa, é o tudo pode acontecer” – Rosamar G. Gularte

A minha avó faleceu de câncer de mama. Foi minha primeira perda. Ela era muito importante para mim, ajudou a me criar e tínhamos imensa afinidade. Uns 10 anos depois a minha mãe teve a doença. Ela tinha 50 anos, teve o câncer de mama, operou e também tirou um pedaço do seio. Ela fez as quimioterapias, fez as rádios, fez tudo. A minha mãe já estava “se dando” por curada, mas a doença já tinha tomado o cérebro dela – e ela não sentia nada –, e quando descobrimos ela já estava próxima da morte. Ela estava com dois tumores na cabeça do tamanho de duas laranjas e não sentia nada. Ela lia um livro por dia, gostava muito de ler. Era professora e estava aposentada fazia um ano. Se aposentou, teve isso e morreu. Então ela devorava livros, caminhava todo o centro sozinha e não sentia nada. Descobrimos a doença quando ela sentiu uma dor de cabeça que não passou com o remédio. Ela gritava de dor, aí eu a levei para o Pronto Socorro, eles me chamaram e disseram que ela estava com o cérebro tomado de câncer e que não havia o que fazer. Falaram, ainda, que ela teria 15 dias de vida. Eu, grávida de quase sete meses do Richard, quase morri ali junto. Eu com um barrigão e ela faceira que ia ter o seu primeiro neto, pois sou filha única, tocava a minha barriga e conversava com o Richard contente e, por fim, nem o conheceu. 

Eu fiquei sem chão, porque a vida era eu e ela. Éramos muito apegadas, enquanto estava grávida ainda morava com ela, inclusive. Desses 15 dias de vida que deram, ela durou 7, pois logo entrou em coma e faleceu. Ela nem soube da doença, porque até ela entrar em coma me perguntava por que sentia dores de cabeça e esquecia as coisas e eu disse a ela que tinha sido um AVC, que ela ficaria bem, que dali há dois dias iria para casa. Tive que mentir! Como eu ia contar pra ela que o médico disse que teria no máximo 15 dias de vida? Como não ia adiantar nada, eu optei por ficar rindo na frente dela no quarto do hospital, dizendo que ela já teria alta. Enquanto ela não entrou em coma, quando eu saía do quarto me despedaçava de chorar, sentava no chão de tanto chorar, mas na frente dela eu ria, contava piada, dizia “tu já estás indo embora, tu teve só uma coisinha, um AVC, até que ela entrou em coma e não teve mais volta. Aí eu tive que ser forte, pelo filho que eu estava esperando. Senti que eu não ia ficar sozinha, porque se eu não estivesse grávida... Deus não me deixou sozinha, ele tirou um pedaço de mim, que era a minha mãe, até ali a pessoa mais importante na minha vida, Ele me tirou, Ele tinha que me tirar, mas deixou a esperança no meu ventre. Ele disse "ta aí a tua companhia" e foi nisso que eu me segurei, porque senão acho que eu tinha ido junto com ela de alguma forma.

Foi muito difícil, até porque eu a endeusava, ela era uma pessoa muito boa, ajudava todo mundo, não falava de ninguém, me ensinou todos esses princípios... ela me dizia, "se tu não pode falar bem de uma pessoa tu nem abre a boca. Não julga, tu não sabe a história da pessoa". Ela era espírita, então sempre me ensinou todos esses princípios da doutrina. Para mim era ela na Terra e Deus no céu, foi bem difícil! Foi não, ainda é, até hoje! Até hoje me dói... é uma ferida que não cura. São os meus filhos que me mantêm. Depois veio o Ryan, que tem 5 anos. Sempre digo para o Richard que ele foi o meu chão, o que me segurou... Ele sabe que foi a peça chave pra eu conseguir levantar. Três meses depois ele nasceu e ali eu me segurei e sigo até hoje.

Por enquanto eu não tenho muitas ideias ou intuito de trabalhar. A minha preocupação maior é em torno do Ryan! Eu sei que ele precisa da minha atenção, então o que eu penso em fazer é cuidar dele, criar ele. A preocupação que a gente tem é de ter que partir e deixar os filhos, depois que tu tens um filho é com isso que tu te preocupas. Eu digo para o meu marido, converso com ele sobre isso e ele não gosta muito. Eu não tenho medo de morrer, eu tenho medo de deixar os meus filhos aqui precisando de mim. Quem vai cuidar? Quem vai amar como eu amo e dar o carinho que eu dou? Quem vai ter a paciência que eu tenho com eles, com o Ryan, principalmente? Tenho essas preocupações de mãe mesmo. Porque família presente nós não temos, é só nós mesmos. A gente é muito sozinho, só eu e ele.

Sobre o Richard, ele tem o pensamento dele e, embora ele vá fazer 12 anos, muitas vezes tem um pensamento maduro de um adulto. Às vezes eu estava perdendo a paciência com o Ryan, com as artes dele, e dizia assim: "Ryan, não faz isso!", daí ele vinha e dizia: "Tem que ter paciência com o bichinho... Esqueceste que ele é autista?” e eu: “Não, não esqueci, filho, só estou dizendo pra ele o que ele não pode fazer, pra falar um pouquinho mais alto”. Se ele acha que eu estou me alterando um pouquinho ele vem: “Calma mãe, calma... tem que ter paciência com o bichinho”. Ele é muito querido. 

Com isso tu consegues ver que tu plantaste uma sementinha ali, em alguém, e que para alguém tu és a coisa mais importante. Aí tu te olhas no espelho te achas feia, até para o teu marido. Eu me acho feia e fico com vergonha dele... me acho feia como mulher, mas eu sei que os meus filhos me acham linda e maravilhosa. Quando eu tirei o cabelo, eu tinha que raspar, as mechas estavam caindo... Eu tinha medo da reação do Ryan, que ele fosse ficar com medo por ser autista. Aí eu entrei no carro sem cabelo e ele me abraçou, me beijou e começou a beijar a minha careca. Foi uma coisa normal e ele achou lindo e se deslumbrou com a novidade. Já eu estava com medo que ele fosse se afastar, achar estranho e ele achou uma novidade maravilhosa. Quando eu cheguei em casa – o Richard já é um pré-adolescente –, ele me olhou e eu “e aí filho, a mãe tá bonita?”, brincando com ele.  Ele disso: "É mãe, não vou dizer que tu tá bonita, né!? Mas tu ainda és a minha mãe! E me abraçou e me beijou. Tudo isso é muito gratificante! Eu sei que para eles do jeito que eu estiver eu vou ser a mais linda, a melhor, porque para eles eu sou o máximo. É um amor imensurável, sem explicação. É um amor louco! É aquele amor verdadeiro que tu sentes! Que tu sabes que não vai te trocar por alguma coisa, que não tem o que supere. É diferente do amor de homem e de mulher, que tu ficas pensando: “E se eu ficar mais feia? Será que ele vai achar uma mais bonita?”, a gente sempre tem aquele “pé atrás”, e com o filho não. Isso aí é a melhor coisa de sentir, de se passar por uma prova assim. Aí tu vês que para os teus filhos não muda nada. Tu é a mesma sempre... com ou sem cabelo, se engordou ou não... é sempre a mesma. E é isso o que a gente leva até para depois da vida. Leva sempre esse amor... um amor que nem a morte separa, é uma coisa muito forte, não tem tempo e nem nada que separe.

Sobre a amizade entre os irmãos, é uma paixão o que acontece entre eles. Lá pelas 22hs da noite eu faço o Ryan dormir e o Richard, que dorme lá pela meia-noite, vem, de vez em quando no quarto dar uma olhada no Ryan. Aí ele fica observando o Ryan dormindo e me diz: “Ele é tão bonitinho dormindo, parece um anjinho, mãe". Ele é apaixonado pelo irmão, tem aquela coisa assim de olhar, de admirar e de ficar bobo. É uma coisa bem maternal, que nem mãe que fica olhando para o filho, admirando... Ele tem essa coisa assim: “Olha aí, mãe! O jeito do bichinho, olha ali a carinha dele...", o Richard fica assim, admirado, bobo. É um elo muito grande e ele diz que vai cuidar dele pra sempre e diz isso para ele, inclusive. Isso é muito bom, tu teres orgulho dos teus filhos e ver que aquela semente que tu plantou foi bem plantada. Nós passamos muita coisa sozinhos, o Richard e eu. Quando ele tinha 4 anos eu conheci o Márcio, que foi um paizão pra ele e tudo mudou.

Quando descobri a doença eu tinha parado de trabalhar. Decidimos que eu ia parar de trabalhar para cuidar dele um pouco melhor, por algum um tempo, mas já veio o autismo que nos atropelou e foi um choque. Tínhamos que lidar com uma coisa que nem sabíamos o que era e que ouvíamos vagamente. O autismo, para mim, era totalmente diferente do que eu via no Ryan, que é hiperativo, então eu não imaginei. Procuramos tratamentos e terapias, e isso mudou a nossa rotina. Tínhamos preocupações sobre o futuro dele, o que ia ser, se ele conseguiria ser independente e todas essas coisas. Ficamos dois anos nessa função, dois anos em que eu não fiz os meus exames, que eu fiquei só em função do autismo. Eu me preocupava, chorava, tinha toda uma questão da rejeição, porque ele foi para escola e o rejeitaram. Eu chorava muito por perceber que ele era rejeitado, então eu me preocupei muito, fiquei nervosa e ansiosa. Aquela situação me derrubava, então eu não sei se foi por isso que começou o câncer... e também tem a parte hereditária da minha mãe. Eu descobri a doença em um dia em que bati com o seio, até aí eu nunca tinha sentido nada. Ele me deu a cabeçada e saltou algo como uma laranja de umbigo, enorme. Eu achava que era uma inflamação, já que o seio é uma parte frágil. Nunca imaginei que fosse um câncer. Passei uma semana com aquele caroço e fui procurar ajuda, fazer o exame e aí deu. Me apavorei e o médico disse: "Como é que tu não viu isso aí antes desse tamanho?" Eu disse que não havia visto, porque talvez tivesse na parte de dentro do bico.  Sempre me apalpei no banho, mas não tem como apalpar do bico para dentro do teu seio... e ele estava lá, escondido, no fundo. Estava escondido e era um tumor de 9cmX7cm. Foi um susto, um choque! 

O Richard gosta de ser criança e de aproveitar o tempo dele. Ele não tem aquela coisa que a gente tinha de querer ser grande. Eu já tenho 41 anos e vou rumo aos 50, se Deus quiser. Tem que dizer “se Deus quiser”, porque quem não envelhece morre antes. Então tu tens que querer envelhecer! Ele estuda no Assis Brasil e o Ryan na Escola Bernardo de Souza. Então eu levo e busco eles caminhando, porque eu não dirijo. Levo um, levo o outro, busco um e busco o outro, tudo a pé. Quando o meu marido está em casa ele pega as crianças. 

Sobre o meu pai, ele não tinha nada, caiu e morreu. Não fizemos nada para descobrir do que ele morreu porque nada o traria de volta. Isso foi 4 anos depois do falecimento da minha mãe. Ele ficou sozinho lá no apartamento em que eles moravam e, naquele dia, ele jantou umas 19hs da noite e foi ao banheiro escovar os dentes. Ali ele caiu, inclusive foi a vizinha dele que me avisou e que chamou a SAMU. Eu estava trabalhando na loja e ela ligou dizendo que ele já havia sido levado desacordado. Quando cheguei lá no pronto socorro a médica veio me dar a notícia, já balançando a cabeça. Me desesperei, nem me despedi, não consegui falar com ele. Foi muito difícil, mais um baque ele morrer de repente. 

Essa semana o meu marido falou com o Ryan que não era pra ele pegar alguma coisa e ele disse “seu puto” e nós ficamos abismados, porque a gente procura não falar essas coisas na frente deles. Pensamos em perguntar lá na escola, para os professores, se alguém falava isso. Por que onde ele aprendeu? Ele não aprendeu na internet! Então pensei em perguntar para a professora, para que ela tome cuidado para ver se alguém fala. Nós não vemos novela, só os desenhos dele. Eu vejo novela quando ele está dormindo, só aquelas novelas repetidas no Viva, Por Amor, Tieta, Fera Radical... só novelas do meu tempo. Tem dias em que eu estou sem sono, em que eu dormi de tarde, aí vejo as 3 deitadinha, tapada, depois da meia noite, e Netflix. O Richard vê Netflix e eu vejo novela. 

Eu tinha um sonho de trabalhar, juntar dinheiro e comprar uma casa, que foi a que eu comprei. Essa casa aqui! Não me arrependi! Foram muitas privações, mas se não fosse isso eu não teria a casa em que a gente mora hoje. Não pagamos aluguel, teve muito sacrifício, mas valeu, porque foi numa hora em que a minha mãe faltou, em que eu estava sozinha com o filho na barriga e não precisei depender de ninguém. Hoje eu me arrependo de não ter estudado. Quando eu tinha a mãe e o pai e não tinha filhos eu poderia ter me esforçado mais e estudado, mas, ao mesmo tempo, já cresci pensando que eu tinha que trabalhar e juntar dinheiro porque a minha mãe não teria para me dar, e que se eu não juntasse não conseguiria ter a minha casa. O meu pensamento era de que eu iria ficar morando com eles no apartamentinho cheio de entulhos e, então, se eu quisesse ter a minha independência eu teria que trabalhar... e eu fui!

Quando eu peguei o exame, a biópsia, quando vi que realmente era câncer, chorei. Foi o único dia em que eu chorei! Meu marido esperou no carro e eu entrei no laboratório e peguei o exame, abri na hora e li. Ali dizia que era um tumor maligno. Esse foi o único dia em que eu chorei, depois Deus me mandou uma força que eu não derramei mais nenhuma lágrima até hoje! Ali pegou a minha fraqueza. Foi de surpresa e eu despenquei. Pensei: “meu Deus e agora? E meus filhos?”. A gente sempre acha que é cedo, embora tenha gente que tenha ainda mais cedo do que eu, mas eu não esperava agora com 40 anos. A minha mãe teve com 50. Eu esperava que, se eu tivesse, seria na mesma idade que ela. 

Eu sempre fiz exames, mas parei de fazer nos últimos dois anos quando eu descobri o autismo do meu filho. Desde os 30 anos sempre fiz os exames, sempre fiz questão de fazer por causa da minha mãe. Nesse dia eu entrei no carro chorando e o marido me perguntou o que tinha dado de resultado. Depois eu tive que me acalmar, até porque ele é mais nervoso do que eu, mais ansioso e mais negativo. Eu sempre fui mais positiva e ele já vê o lado ruim das coisas. Então eu tive que mostrar para ele o lado bom, me manter sorridente, alegre, para não deixar ele cair, e não deixar os meus filhos caírem também. “A gente vai vencer!”, eu falei.

O Ryan não entende a situação, embora ele sinta que acontece alguma coisa diferente. Para o Richard, que é o maior, eu tive que contar, mas sempre dizendo que isso é uma fase, que vai passar, que eu vou ficar bem e que vai ser só uma lembrança, sempre acreditando num amanhã melhor... procurando colocar isso na minha cabeça também, para não enlouquecer, não pirar! Embora eu sempre pense o lado ruim... “E se de repente não dá certo, como vai ser? E se eu falto quem vai cuidar meus filhos?”. Então,  tem que procurar te manter positiva, pensando: "mas eu vou vencer, eu vou conseguir..." para conseguir levantar da cama todos os dias.

Eu descobri o câncer no estágio 3. Ele vai até o estágio 4, que é quando já tem metástase espalhada pelo corpo. Então o meu, no estágio 3, tinha o tamanho 9cmX7cm, era um tumor bem grande e pegava quase toda a minha mama. Como estava pegando a pele não podia fazer a cirurgia porque eles precisavam dessa pele para fazer a cirurgia, aí o médico me disse que o tumor precisava murchar primeiro para depois fazer reconstrução. Aí começamos com as quimioterapias: 16 quimios – 4 vermelhas e 12 brancas. Eu terminei agora,, há duas semanas e estou esperando a cirurgia, na semana que vem, que será de retirada e de reconstrução de mama. As minhas quimios têm reações diferentes: as vermelhas eram de 21 em 21 dias e eu fiz 4. Com elas eu me sentia derrubada, tinha bastante enjoo e muito cansaço. Tinha muita vontade de ficar só deitada e sentia muito desânimo. Depois vieram as brancas, que eu achei que seriam mais amenas porque eu não senti enjoo. Por um lado eram, mas pelo outro tu sentes o teu corpo se deteriorar. Parece que tu vais envelhecendo em poucos meses, parece que aquela reação vai da cabeça aos pés. As minhas unhas começaram a querer cair, a inflamar por dentro e a ficarem roxas. Começou uma alergia nas minhas pernas, nas minhas mãos, nos meus braços... tudo efeito mesmo. Eu comecei a sentir a visão embaçada já tendo que usar os óculos diariamente, e antes eu usava esporadicamente. Comecei a sentir até os dentes meio frouxos, meio doídos, sensível para mastigar. A boca com muita afta, que eu tinha que fazer gargarejos para conseguir comer. Todas as partes do corpo têm uma reação. O nariz sangrava direto, escorria sangue, agora recém está parando. O cabelo caiu nos primeiros dias de quimio vermelha, então é uma coisa que tu sente. A tua auto-estima indo lá embaixo, tu sentes o teu corpo todo decaindo, engordando por causa dos corticóides, inchando, uma série de coisas que te fazem fugir do espelho. Tens que procurar o amor próprio lá no fundo para conseguir achar alguma coisa bonita em ti. Tens que te olhar no espelho e pensar: “eu sou bonita porque eu sou mais do que essa aparência física! A beleza que eu tenho vem de dentro para fora!”. Tens que procurar esse ponto para conseguir te manter e mostrar a beleza, mostrar que tu és bonita assim, porque todo mundo acha o contrário. Tens que manter a tua auto-estima, manter a tua segurança como pessoa, como mulher, como esposa, como mãe, que tu és bonita e mostrar que tu te acha linda pra que ninguém duvide ou pense o contrário, pois se a gente mesmo não se amar, se desmerecer, o que a gente espera do marido e das outras pessoas?

É assim, bastante reação, a quimio castiga, tu não imaginas até passar por isso. Devasta o corpo, te faz perder as forças, faz tu te sentires como uma pessoa idosa. Eu caminhava muito antes da quimio, ia a todos os lugares com facilidade, com prazer... hoje eu levo as crianças na escola, que fica há duas quadras, e parece que eu caminhei o mundo, chego lá com falta de ar. A quimio suga a energia toda, mata as tuas células ruins e as boas também, então deixa o teu corpo assim. Depois tens que começar a levantar devagar, mas, ao mesmo tempo em que ela denigre, tu tens que pensar que é ela que está te curando, então tens que amar a quimio. Eu ia fazer a quimio animada! Quando me ligavam e diziam que faltou a quimio, que seria outro dia eu já dizia que se chegasse eles podiam me ligar que eu iria na hora. Eu tinha sede em fazer a quimio, porque eu sabia que era o que ia me curar ou ajudar a me curar. Às vezes, à tarde, as gurias me ligavam dizendo que a quimio havia chegado, perguntando se eu queria marcar para o outro dia e eu ia na hora: “Não deixo pra amanhã o que eu posso fazer hoje!”. Agora acabou, mas dizem que os efeitos ainda ficam por muito tempo. Vou caminhando para levantar o ânimo, as energias, recuperar as forças para seguir em frente. 

Para a cirurgia eu interno no dia 4 para operar no dia 5. Vou retirar a mama e reconstruir. Eu procuro não pensar muito no dia, na cirurgia, eu procuro ir vivendo o dia de hoje, que é sexta, fim do mês...  Agora dia 1º de outubro tem a caminhada, dia 2 tem o Shopping, tem o calendário do Instituto Buquê de Amor, dia 3 é o meu aniversário... Vou pensando em etapas, mas assusta. É o inesperado, é a surpresa, tudo pode acontecer. Toda a cirurgia tem o seu risco e o médico me disse e me deixou bem consciente de que toda a cirurgia é com anestesia geral e que entubam. A primeira que eu fiz foi a do cateter, que eu tive que colocar porque as minhas veias não suportavam mais as quimios, então eu já passei uma cirurgia que foi com anestesia geral e me entubaram. Na primeira quimio que eu fiz foi tudo bem, mas na segunda eles não conseguiam achar as minhas veias, que são muito finas e somem, então eles procuravam e não achavam e quando achavam, botavam a quimio e a veia estourava. Ficava inchado de medicação porque a veia tinha estourado e isso não pode acontecer porque é uma medicação tóxica para o corpo. Ficava inchado e doendo. Nesse meio tempo eu desmaiei e tive uma convulsão, até hoje não descobri porque, mas eu acho que foi porque fiquei muito nervosa. Eu já desmaiei durante um exame de raio-x quando foram injetar o contraste e também não achavam as veias. Nessa vez da quimio eles falaram que não podiam arriscar com os desmaios e convulsões e colocaram o cateter. Essa foi a segunda quimio vermelha e eu concordei em colocar, porque tenho medo desses desmaios. São muito estranhos e com muita convulsão. A impressão que tenho é que meu espírito sai do corpo, parece uma semi morte. Parece que eu morri e quando eu volto vejo que não morri. Foi uma cirurgia e toda a cirurgia tem a sua parte difícil. Foi dolorido o pós-cirúrgico e eu não podia mexer o pescoço porque eles fazem um corte do cateter que pega a veia jugular. Eu não podia mexer o pescoço e doía muito. Ficou bastante tempo doendo e até hoje é uma coisa incômoda, porque quando tem um corpo estranho no teu corpo é incômodo. Às vezes eu durmo de bruços e sinto, meu filho vem, se atira e dá uma dor bem forte. Me disseram que eu tenho que cuidar para não sair do lugar, para não deslocar, então eu sempre protejo o cateter. É uma marca e uma lembrança da doença que fica depois, mas é necessário.

Em relação à cirurgia, procuro não pensar muito e manter o pensamento positivo, embora tenha aquele medo que fica oculto. Mesmo que tu não penses, isso fica no teu psicológico porque tu sabes que está chegando o dia. Eu procuro manter o pensamento positivo, já que não tem como fugir mesmo. E seja o que Deus quiser, mas sempre dá um medinho, né?


“Valorizem cada minuto, cada sorriso, cada olhar, cada abraço, cada beijo. Valorizem muito. Esse é o tesouro da vida”.

O que eu tenho para dizer para as mulheres é que elas devem se amar, amar o seu corpo e que se cuidem e vivam um dia de cada vez. Não adianta ter ansiedade com o amanhã, com o que vai acontecer, aproveitem o dia de hoje. Aproveitem as pessoas que estão ao lado de vocês hoje, filhos, marido, é isso que tem importância na vida, é isso que faz a gente andar, motiva a gente a levantar da cama, a viver o dia. Então se amem, amem os seus filhos, seus maridos. Valorizem cada minuto, cada sorriso, cada olhar, cada abraço, cada beijo. Valorizem muito. Esse é o tesouro da vida. E, cuidar do corpo, fazer o exame, vê se está tudo bem, porque isso é um jeito de se amar também e de demonstrar amor aos filhos, ao marido. Porque a gente quer se cuidar para estar aqui amanhã, estar aqui ano no que vem e por muitos anos. Criar os filhos e ver eles se tornarem pessoas de bem, contribuir com a educação, para tudo isso a gente precisa de saúde. Então a gente tem que se cuidar, ter o amor próprio também que é um amor muito importante, se achar bonita de qualquer jeito, se engordou, se emagreceu, se tem cabelo, se não tem cabelo... procurar uma beleza interior,  uma beleza que vem de dentro na gente mesmo, se achar linda como obra de Deus, como uma pessoa que é muito mais do que um cabelo, do que uns quilos a mais. Como uma pessoa de bem, que vale muito, ter um amor acima do físico, ter um amor por si mesma, um amor espiritual, que nem a gente tem pelos filhos, que a gente acha lindos apesar de qualquer coisa, a gente também tem que se achar linda. E se sentir linda! Gostaria de passar essa mensagem! Que a gente se ame mais, e ame mais as pessoas ao nosso redor!  Acho que o amor é a resposta para tudo, para todas as perguntas.  É preciso ter sempre esperança e otimismo para enfrentar os problemas que possam vir no futuro, uma doença ou qualquer coisa. Se tiver esperança e fé a gente consegue enfrentar tudo! Deus manda uma força que às vezes a gente não imagina que pode ter, mas quando vem o problema, vem aquela força também e a gente nunca está sozinho. 


“é sempre bom ter alguém para te apoiar nesses momentos difíceis da vida” (Richard – 11 anos - filho da Rosamar)

Não tenho muito para dizer, é um momento bem difícil da vida, mas sempre vai ter alguém que vai te apoiar nos momentos difíceis assim como eu estou apoiando a minha mãe. Ela me apoia também e é sempre bom ter alguém para te apoiar nesses momentos difíceis da vida. Uma coisa que eu acho que posso fazer para ajudar é com as tarefas de casa, cuidando o Ryan, já que ele faz umas baguncinhas. No dia da cirurgia ela vai ficar com uma amiga e eu vou ficar aqui cuidando o Ryan com o meu pai, a gente se diverte bastante juntos. 



“Será que eu vou conseguir dar conta de tudo isso sozinho?” (Márcio, marido da Rosamar)


Meu nome é Márcio. Sou esposo da Rosamar. Ela foi diagnosticada no ano passado, vai fazer uns oito meses, praticamente. Para mim e para a nossa família foi um choque. Eu, para dizer a verdade, agora depois de ela ter feito todo o tratamento de quimio (foram 16), tem vezes que parece que para mim “não caiu a ficha” ainda. Cada dia é um aprendizado. Não é fácil ver a transformação que ela vai passando no decorrer das quimios. O que me chocou muito foi a queda do cabelo na segunda quimio dela. Foi num domingo. O cabelo dela começou a cair e ela me pediu pra cortar, eu fiquei num desespero, que só foi aumentando.  Ainda bem que eu tinha uma amiga que tem um salão de beleza que abre no domingo. Fomos lá e ela passou máquina e a partir daí tivemos que nos acostumar vê-la sem cabelo, uma outra perspectiva de beleza.  

Tem vezes em que eu fico até sem palavras, é uma luta diária, mas tá passando, é uma fase.

O que eu me choco mais ainda em relação ao câncer é o medo que tenho de perdê-la. Isso é uma coisa que passou muito pela minha cabeça no início, não tinha um dia em que eu não pensasse essa bobagem. 

Ficava pensando como seria sem ela, pois temos dois filhos pequenos. Temos o Ryan, que é autista, e o Richard, que já é grande, mas que também precisa da mãe. Me perguntava: “Será que eu vou conseguir dar conta de tudo isso sozinho?”

Vou ser bem franco, até eu ver ela fazer essa cirurgia, voltar para casa e passar toda essa etapa, de se recuperar... fazer rádio, se precisar, enfim, tudo mais... e ela tiver conseguido passar essa etapa desse câncer, eu acho que vou parar de pensar isso. Tenho fé em Deus, mas essas coisas passam pela cabeça. 

Aqui em casa a gente é muito unido, tanto eu e ela, quanto as crianças. Agora sou marido, mas também o amigo, o companheiro. Depois que ela começou teve o diagnóstico de câncer, eu lavo roupa, faço a comida, limpo a casa, dou banho nas crianças. Faço todas as atividades domésticas e tenho que trabalhar.

Tem dias em que estou estressado e estaria sendo hipócrita se eu não dissesse que até acabo brigando com ela por bobagem, mesmo sabendo que ela não pode e que está enfrentando uma doença grave. Isso acontece porque eu fico sobrecarregado. Depois a gente conversa de novo e volta tudo ao normal, isso faz parte da vida de todo mundo que enfrenta uma doença dessa.

Eu como pai e marido não gostaria mas tive que apelar para um médico e tive que tomar medicação. Estou tomando um tranquilizante para ver se me acalmo um pouco mais para enfrentar essa situação toda; acho que estou conseguindo. 

A mensagem que eu posso deixar, principalmente para os homens, é o seguinte: primeiro lugar, tem que amar muito a mulher, a companheira, amiga, esposa, a mãe dos nossos filhos, porque a situação é difícil. Se não for Homem com H mesmo, não aguenta, não aguenta, então tem que colocar os dois pés no chão e pensar bem na família e na sua esposa, porque vão passar por uma etapa difícil. Saúde, dinheiro, isso abala também, mas com fé em Deus e com força a gente supera tudo. Então, foco que a cura vai vir e Fé em Deus.

A gente só vai perceber realmente o que é um câncer quando a gente passa por ele. Antes de acontecer isso, a gente olha quando acontece com os outros e fica com aquela sensação de pena, mas só quem passa mesmo é que sabe que é uma doença terrível. 

Então a mensagem que eu posso deixar é de força e que Deus está no comando.

 Dois anos depois...

Dois anos atrás dei esse depoimento sobre a minha vida, sobre como estava lidando com o câncer de mama. Estava animada e esperançosa, faltava só a cirurgia de retirada do seio e as radioterapias e estaria livre do câncer. O plano era viver para poder criar meus filhos, Richard e meu anjinho Ryan. 

Eu tinha acabado o tratamento pesado, a última radioterapia, o cabelo começava a crescer e aos poucos a disposição ia voltando. Numa triste segunda-feira o destino se mostrou traiçoeiro e escuro demais, e que o pesadelo, de fato, se instalava em nossas vidas.

Nosso querido Ryan passou cansado, pálido e com vômitos naquele final de semana. Algumas manchas roxas surgiram em suas perninhas. Segunda-feira fizemos um exame de sangue a partir do qual rapidamente foi constatado o pior diagnóstico: nosso filhinho estava com leucemia. O sentimento foi de que comigo poderia acontecer, mas com ele não, mas de nada adiantaram minhas lágrimas e súplicas. Começava a batalha mais árdua, triste e sofrida da minha vida: ver o meu filhinho de apenas 6 anos, no auge da sua infância, que deveria ser de sorrir e brincar, sofrer a cada dia de luta contra a doença. Eram muitas agulhadas, muitos exames e medicamentos, todos os dias, mas esses também eram dias de muito amor que passamos em Porto Alegre ao longo de quase oito meses de tratamento. Largamos tudo para ficar com ele no hospital, eu e meu esposo, sempre com a fé que tudo ficaria bem. 

Os dias era longos, o sofrimento intenso, mas meu anjinho nunca me deixava sem o seu sorriso, que me enchia de paz e de luz. Brincávamos, assistíamos desenhos e conversávamos muito, foram dias de muito carinho e de muita cumplicidade entre mãe e filho. 

Muito enfraquecido pelo grande número de quimioterapias que prejudicaram os seus pulmões, rins e fígado, Ryan foi levado para a UTI, onde passou 40 dias internado, sofrendo muito, definhando a cada dia para o nosso total desespero e tristeza. Então o inacreditável aconteceu. Dia 31 de janeiro de 2019 nosso amado filhinho partiu, levando com ele a nossa vontade de viver. 

A tristeza tomou conta de nós, ficamos inconformados, desesperados. Poderíamos superar qualquer coisa, menos ver nosso filho partir sofrendo tanto. 

Os dias seguem sombrios, o abismo é grande demais. Nunca imaginei passar tamanho sofrimento, o câncer foi muito covarde, atacando um ser tão pequeno e indefeso. Câncer estúpido, levou embora a minha vida e me deixou aqui.

 

Ryan, meu amor eterno! 

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(Foto feita pela mãe Rosamar)


São seis meses de saudade
Escuridão e tristeza
Desespero, ansiedade
Dúvida e incerteza.

Seis meses sem teu sorriso
Que alegrava o meu dia
Me levava ao paraíso
Como se fosse magia.

E aquela voz tão doce
Que de mamãe me chamava
Me encantando como se fosse
Um anjo que me amava.

Tinha o abraço mais gostoso
Aquela minha criança,
Me pegava pelo pescoço
Sempre me dando esperança.

E no olhar trazia amor
Doçura e imensidão
Sorrindo mesmo na dor
Nos destes sábia lição.

E agora o que faço
Como sobrevivo
Se a cada passo
Só quero estar contigo.

Perdoa tua mãezinha
Meu menino tão guerreiro
É a saudade que se aninha
No coração por inteiro.

Daqui eu levarei
O amor mais sincero e fiel
Sabendo que enfrentei
Das lições, a mais cruel.

Meu filho tão amado
Te sinto sempre comigo
Anjo abençoado
Que mora no infinito.

Vou tentando seguir
Esse caminho doloroso
Pois quero te alegrar
E te deixar orgulhoso.

Sei que ainda terei
Uma eternidade ao teu lado
Meu amigo, meu rei
Como é bom amar e ser amado...
A ti o meu absoluto amor...
E o meu muito obrigado!!

Amado RYAN.


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